sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Canção (IV)

Passo horas no jardim a contemplar as flores
não sei os seus nomes mas conheço de cor
todos os seus humores e peculiaridades
Da mesma forma continuo sem saber
qual o nome que me deram os meus pais
mas conheço-me cada vez melhor
mesmo que às vezes
me tenha de inventar

Luís Ene

Poesia & Companhia no Impressões

O programa Impressões  teve por base o Festival Poesia e Companhia


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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Se existem batutas que comandam

Pois então,
as verdades são ambíguas
e muito temos que reflectir:
sobre as intransigências e os incêndios,
os náufragos e as borrascas,
sobre o porquê de haver rios
que correm ao contrário,
e vontades impostas por soberanos
com consequências em seus súbditos,
sobre oportunidades desperdiçadas
e se existem batutas que comandam
maestros

Miguel Godinho

1 de Março

16 h  - na sede da ArQuente, abertura da Exposição de Poemas Ilustrados de poetas algarvios com Camila Beirão Reis e alguns desses poetas


16 h - no Palácio do Tenente, vídeo instalação Quem Quer Ser Português

A instalação "Quem quer ser português?" reúne textos de Luís Ene no formato de comunicado à nação.

Sobre esta pergunta que se pode entender como retórica, num oratório, a personagem já fugida ou ainda presente pelos seus vestígios, comunica ao espectador as entrelinhas da interrogação que dá título à obra, num tom irónico quase proverbial, nos antípodas da Mensagem de Pessoa.

A instalação aparentemente inacabada convida o espectador a participar dela ( como por um acto de fé), completando-a com "ex-votos, "ex-pensamentos, "ex-portugais".

José Jesus

O morto tem a ideia de cão na boca do brilho


A ideia ainda existe na boca e no brilho 
A sombra do brilho dos idos dias
Come, o ventre e a poesia
O morto tem as suas carícias depois de morto
Traz a boa disposição e cócegas
Traz o império na língua; diz
Coisa pouca, portanto
O morto tem a ideia de cão na boca do brilho
Na sombra dos dias idos
No ventre da poesia disposta a carícias
Depois do homem morto
No ventre que come o ventre da ideia dos dias
Da sombra; algo da boca brilha
A poesia

Rogério Cão

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Um poema de Tiago Nené

GESTAÇÃO / POEM IN PROGRESS

a ecografia morfológica está bem,
as medidas estão certas,
o poema está com um quilo e pouco
e tem trinta e dois centímetros.
daqui parece perfeito,
sei que não tem hidrocefalia,
nem lábio leporino,
ou cataratas congénitas.
eu vi-o mexer-se bem no fundo do seu
pré-destino moral
e todos os seus significados
continuavam inteiramente livres,
o seu autêntico deliberado,
e os seus acontecimentos espantosos
impondo ao sonho as excepções
que ele necessita para ser credível.
para a semana far-se-á
uma amniocentese, e se porventura
o líquido estiver contaminado,
sou capaz de tomar
pirimetamina, sulfadiazina e ácido folínico.

Tiago Nené
in Polishop
Punta Umbría,
Colecção Palavra Ibérica,

2010