sexta-feira, 20 de junho de 2014

À Tertúlia n.º 1

Porque o prometido é devido, o número 1 de À TERTÚLIA, realizou-se n’ A Venda, no dia 19 de Junho, com início às 18:30, seguido de jantar.


Os participantes foram chegando e a conversa iniciou-se sem pressas.


O promotor moderador da sessão foi o Marco Mackaaij, à direita na foto.



O tema, ou mote, era A LITERATURA E A VIDA e sobre ele se discorreu, falando-se e lendo-se poemas e outros textos, como um conto de Soeiro Pereira Gomes, As crianças da minha rua, que provocou fortes emoções.


Envolvendo a tertúlia, o Vasco, recém saído da apresentação da sua tese de doutoramento sobre o poeta João Lúcio, e a presença ocasional do poeta António Cândido Franco, que não disse, mas podia ter dito: Chamo poesia à imaginação; fora da imaginação não sei o que seja poesia. A imaginação é tanto mais forte quanto se aproxima do inimaginável. Só essa aproximação, assim impossível, traz consigo a percepção de um outro mundo, virgem, original, desconhecido.


E depois jantou-se, mas ainda se ouviram poemas como este, com que acabo este breve relato, trazido à tertúlia pelo Marco.


Um Homem e a Sua Vida


Um homem não tem tempo na sua vida

para ter tempo para tudo.

Não tem momentos que cheguem para ter

momentos para todos os propósitos. Eclesiastes

está enganado acerca disto.

Um homem precisa de amar e odiar no mesmo instante,

de rir e chorar com os mesmos olhos,

com as mesmas mãos atirar e juntar pedras,

de fazer amor durante a guerra e guerra durante o amor.

E de odiar e perdoar e lembrar e esquecer,

de planear e confundir, de comer e digerir

que história

leva anos e anos a fazer.

Um homem não tem tempo.

Quando perde procura, quando encontra

esquece, quando esquece ama, quando ama

começa a esquecer.

E a sua alma é erudita, a sua alma

é profissional.

Só o seu corpo permanece sempre

um amador. Tenta e falha,

fica confuso, não aprende nada,

embriagado e cego nos seus prazeres

e nas suas mágoas.

Morrerá como um figo morre no Outono,

Enrugado e cheio de si e doce,

as folhas secando no chão,

os ramos nus apontando para o lugar

onde há tempo para tudo.


Yehuda Amichai (1924-2000), poeta israelita.



(Tradução de Shlomit Keren Stein e Nuno Guerreiro)


[Até à próxima!]






terça-feira, 17 de junho de 2014

QUE DIZEM OS POETAS ALGARVIOS E ANDALUZES DE AGORA?

QUE DIZEM OS POETAS ALGARVIOS E ANDALUZES DE AGORA? - 5

Fernando Cabrita

Muchas Veces Me Sucede Olvidar Quien Soy – LUIS ENE

Luis Ene, nome literário do escritor Luis Nogueira, tem absoluta razão quando epigrafa o seu blog Ene Coisas com a frase “Nada é simples quando se trata de palavras. Quando se trata de palavras até a palavra simples é complicada.” É que, na verdade, o ofício do escritor -- e mormente o do poeta -- faz-se de palavras. Vaza-se em palavras. Inicia-se e conclui-se por palavras. Pela Palavra.
O poeta existe pela Palavra, cumprindo-a, trabalhando-a, exercitando-a; e a Palavra dá-nos a existência do poeta, afirmando-o através dela. Mesmo as poéticas de ruptura ou de descontinuidade, mesmo o experimentalismo, mesmo os movimentos dadaístas, não prescindem dessa matéria-prima. Prima, porque primeira e primeva; portanto inicial e iniciática.
Toda a poesia é uma música de palavras; e uma teia de imagética tecida de verbo, diacrónica e sincronicamente. A lição encontra-se nos textos saussurianos, em qualquer manual estruturalista, em Barthes, na obra As Palavras E As Coisas de Michel Foucault (especialmente no capítulo IV – A Escrita das Coisas), ou nos estudos de Pessoa sobre a Nova Poesia Portuguesa; mas está condensada de modo brilhante, sem mácula alguma e acima de toda a dúvida, no livro de poemas Lex Icon, de Salette Tavares: Dêem-me palavras que eu descobrirei as coisa/ dêem-me coisas que eu descobrirei as palavras/ Entre as palavras e a coisa o intervalo é nenhum/ palavra ou coisa a eloquência pertence-lhes: à palavra porque diz a coisa/ à coisa porque diz a palavra.
A palavra, assim exercitada, desenha o mundo. Torna-se matéria. Palpita nela o significado, a realidade, a identidade iconográfica das coisas. Mas se, ademais, é no ofício poético que ela se exercita, ela mais do que desenhar, redesenha a realidade, dá-nos o sentido do oculto, crias novas dimensões de si mesma e do que significa, transmuda-se em outra sendo a mesma. Vive -- e cria vida.
Resumiu bem este sentido poético do verbo, na sua relação com o mundo, Cooleridge, quando numa carta a William Godwin em Setembro de 1800 dizia: "Gostaria que escrevesses um livro sobre o poder das palavras. Será o pensamento impossível sem sinais arbitrários? E até que ponto a palavra “arbitrário” é adequada? Não são as palavras, etc, partes e germinações da planta? E qual é a lei do seu crescimento? Eu de certo modo tentaria destruir a velha antítese de Palavras e Coisas, elevando as Palavras a Coisas e, até mais do que isso, a coisas vivas.”
E são essas palavras feitas coisas vivas que Luis Ene nos dá no seu Muchas Veces Me Sucede Olvidar Quien Soy. O título vai em castelhano, porque o livro, sendo bilingue, é aliás o primeiro livro da Colecção Palavra Ibérica, que abriu assim com uma obra excelentíssima. Luis Ene é o primeiro autor da palavra Ibérica – e ainda bem. Leia-se o texto nº 6 : Um homem foi ao fundo uma vez, outra, e outra ainda, mas não morreu. A questão que lhes quero colocar, caros leitores, não é quantas vezes mais pode ele ir ao fundo e ficar vivo, mas sim quanto tempo poderá ele ainda estar vivo sem ir de novo ao fundo.
Simples, conciso, brilhante. Como se fora todo um propósito. De vida, de escrita, de sabedoria intrínseca numa e em outra. E vejam-se também, sob o mesmo prisma de anunciação, os textos 15 e 18: 15- Um livro que se fecha é um livro que se abre. Um amor que acaba é um amor que começa. Na leitura e no amor não há intervalos. Se ainda não começou de novo é porque ainda não acabou de vez.
18-Um homem encontrou um livro estendido num banco de jardim e perguntou-lhe: Quem te perdeu? Ao que o livro respondeu: Ninguém me perdeu, na verdade fui aqui deixado para que alguém me encontrasse e me levasse consigo. Mas ainda o livro mal acabara de falar e já o homem abalava sozinho sem dizer sequer uma palavra. [A moral desta história é dupla: há livros que não falam ao coração dos homens; há homens que são surdos à voz dos livros].
Não deixa de nos estremecer a profundidade do pensamento que assim se expõe. À primeira vista, parece que o intertexto se compõe de material pobre da língua, um conjunto reduzido de palavras banais, num vocabulário corrente e quotidiano. Mas quanta imensidade nesta banalidade aparente! Quanta elevação, sem qualquer deslize de pretensiosismo! O teclado aparentemente restrito e directo da expressão, dá-nos contudo um universo de interrogações, um mundo de imagens que alfim reconhecemos nítidas, sólidas, intemporais.
As palavras de Luis Ene podem ser as mais triviais; mas a sua escrita é de um trivial magnífico, se alguma necessidade houvesse de encontrar uma expressão que a definisse. Ele sabe-o; e é essa sabedoria que faz da sua poesia, que se apresenta sob as veste de prosa, uma grande criação poética. E sabe-o quando diz, como referi acima, que nada é simples quando se trata de palavras. Quando se trata de palavras até a palavra simples é complicada. Pois. As palavras simples são complicadas quando as tornamos coisas vivas. E Luis serve-se ainda da melhor ironia, para nos dar esse sentido estranho das palavras vivendo por si mesmas.
Dos seus textos rescende essa saborosa corrente cáustica e crítica que atravessa a literatura portuguesa desde os autores trovadorescos. Veja-se o texto 13: A minha mulher é excepcionalmente quente, e eu gosto de acender os cigarros no seu corpo, declarou ontem o homem detido por maus-tratos conjugais. Ou, no mesmo registo, o texto imediatamente anterior: -12 Um homem declarou o seu amor a uma mulher. Esta, sabendo-o muito violento, disse-lhe que sim, mas com uma condição: deveria ajoelhar-se à sua frente, de cabeça baixa e ficar imóvel por alguns minutos. Contente, ele assim fez, e muito pouco tempo passou até que ela lhe desferiu uma forte pancada na base do crânio que o matou de instantâneo. [A moral desta história é bastante clara: muitas vezes um sim condicional em nada se distingue de um não peremptório.]
Texto curto, simples, aparentemente quase simplista. Mas eis o conjunto, a conclusão; e tudo se revela grandioso, magnifico, excelso. Luís é um exímio cultor da palavra no seu uso minimalista – e assim a engrandece.
Com poucas palavras, e das mais correntes e banais; uma dose certa de ironia fina; e um uso contido da linguagem, por vezes a roçar o silêncio, constrói filosofias inteiras. Interroga-se e interroga-nos. Dá-nos o sentido do ridículo de algumas existências, o cómico-trágico de condutas e comportamentos. Convoca-nos. Surpreende-nos. Interpela-nos. A sua coesão estilística é soberba. Sente-se ali a visão literária dos imagistas ingleses do início do passado século: o horror da retórica, do lugar-comum, da declamação oratorial, do barroco quantas vezes pretensioso. Estão ali aqueles versos joviais, secos e sofisticados que Hulme previa. Está ali o ensinamento de Pound: Não deve haver lugares comuns, frases feitas, estilo jornalístico estereotipado. A única forma de fugir a isto é pela precisão, resultado da concentração da atenção sobre o que se está escrevendo….objectividade, e ainda objectividade e expressão (…)
Desta forma de encarar a poesia e de a exercitar, resulta que a forma final é a do texto em prosa. Mas prosa que não admite os vícios que João de Deus, em carta de 1898 a Alfredo Quartin, consentia aos prosadores: a prosa é a linguagem real, admite defeitos, pode ter o nariz torto; o verso é a estátua: há-de ser bela, irrepreensível, modelo. A prosa de Luis Ene tem todas as virtudes da poesia. E da grande poesia. Estátua é. Modelo.
Definir como se designará a forma final – se microconto, se poema em prosa, se aforismo, se microficção – parece-me aqui um tema absolutamente desnecessário. Não desconheço que o debate corre em torno de autores como Rui Costa, Henrique Manuel Bento Fialho, Paulo Kellerman ou o próprio Luis Ene (aliás, veja-se o blog Ene Coisas sobre isso mesmo); mas ele é aqui, nesta abordagem crítica, inecessário.
Deixo-vos assim, concluindo, com mais uma pérola do Muchas Veces Me Sucede Olvidar Quien Soy. O texto 29, que considero um dos momentos altos da escrita literária portuguesa deste século XXI: Porque queria parecer mais magro, certo homem passou a andar na companhia de gordos. E porque queria parecer mais inteligente, passou a andar na companhia de idiotas. Verdade seja dita as coisas não lhe correram bem: os gordos achavam-no idiota, e os idiotas achavam-no gordo.
E nada melhor, para fechar o anel, que o reconhecimento que o autor por si mesmo faz do uso da palavra na sua obra literária: 22 - O que se pode dizer com meia dúzia de palavras? Muito, mesmo muito, muito mais do que se imagina. Basta calar bem fundo em nós a arrogância de tudo explicar.
Luis Ene, um caso maior da poesia portuguesa actual.

Olhão, 26 de Maio de 2014

sábado, 14 de junho de 2014

(H) À TERTÚLIA

 
Dia 19 de Junho, com início às 18:30 e termo previsto às 20 horas,  terá lugar o número 1 de (H) À TERTÚLIA, que se realizará n’ A Venda (Tasca, Mercearia e Boa C.ª.), na R. do Compromisso, 60, 8000-252 Faro (perto da Igreja de S. Pedro)

O número 1 terá como suporte o tema A LITERATURA E A VIDA. Que importância tem a literatura na nossa vida? De que forma nos ajuda? Será moderador (informal) Marco Mackaaij e contamos com o poeta Tiago Nené.
 
ENVIEM desde já de um a quatro pequenos textos ( poemas, aforismos, fragmentos..) que foram de alguma forma importantes nalguma fase da sua vida!

A hora de entrada e de saída dos participantes não obedecerá a outra regra senão incluir-se no horário acima previsto.

(contacto: marco.mackaaij no FB ou marco.mackaay@gmail.com ou 967706289)


quinta-feira, 5 de junho de 2014

À TERTÚLIA número 1

CONVITE

Depois do zero vem o 1, por isso, no próximo dia 19 de Junho, com início às 18:30, terá lugar o número 1 de À TERTÚLIA, que se realizará n’ A Venda (Tasca, Mercearia e Boa C.ª.), na R. do Compromisso, 60, 8000-252 Faro (perto da Igreja de S. Pedro)

À Tertúlia pretende ser um espaço de cultura onde se fala do que à tertúlia é levado pelos seus participantes. A base é a poesia e o diálogo com as outras artes, bem como a participação livre de cada um, que poderá levar à tertúlia o quiser: textos, filmes, convidados.

O número 1 terá como suporte o tema A LITERATURA E A VIDA. Que importância tem a literatura na nossa vida? De que forma nos ajuda? Será moderador (informal) Marco Mackaaij , que prepará este número 1.

Tendo em atenção o tema, é pedido desde logo aos participantes que:
- enviem desde já de um a quatro pequenos textos ( poemas, aforismos, fragmentos..) que foram de alguma forma importantes nalguma fase da sua vida.
- se prestem a falar sobre a importância da literatura na vossa vida, indicando, ou não, livros, contos, poemas, autores ilustrativos dessa importância.

Nesta edição contaremos com um jantar, para quem estiver interessado, no próprio local onde se realizará a tertúlia. O jantar terá início às 20:30 e tem o custo estimado de 16/15 Euros, dependendo do número de participantes. Tendo em atenção a logística da preparação da ementa e o facto de o número de comensais não poder exceder os vinte e dois (22), agradece-se que confirmem a vossa presença com a maior urgência possível, o máximo até ao dia 13  do corrente.

A hora de entrada e de saída dos participantes não obedecerá a outra regra senão incluir-se no horário acima previsto.


(contacto: marco.mackaaij no FB ou marco.mackaay@gmail.com ou 967706289)


domingo, 1 de junho de 2014

(H) À TERTÚLIA - memória descritiva


CONVITE

No próximo dia 30 de Maio, com início às 18:30 e termo previsto às 20:30, terá lugar o número 0 de À TERTÚLIA, que se realizará no bar de vinhos About Wine, sito na Rua Horta Machado 20, em Faro (nas traseiras da Cruz Vermelha/Teatro Lethes).

À Tertúlia pretende ser um espaço de cultura onde se falará do que à tertúlia for levado pelos seus participantes. A base será a poesia e o diálogo com outras artes, bem como a participação livre de cada um, que poderá levar à tertúlia o quiser: textos, filmes, convidados.
Este número 0 é um ensaio de uma experiência que se pretende que continue, assim o entendam os seus participantes. Pretende-se que a realização/moderação de futuras tertúlias – última sexta de cada mês – seja dividida/partilhada por todos.

Nesta edição contaremos com
- Prova cega de 2 vinhos (3 Euros) e informação/palestra sobre o léxico mais vulgar usada na descrição/crítica de vinhos, no que se contará com o apoio dos donos do local;
- Paulo Serra, pintor farense, que apresentará uma obra sua e estará disponível para dialogar com os participantes.
- Apresentação de uma série de poemas com o título “O pintor e o poeta encontram-se no branco da folha”, de Luís Ene, ditos pelo próprio;
- e o que mais acontecer, dependendo dos
convidados/participantes, que poderão trazer à tertúlia o que quiserem, se possível avisando para prévio agendamento.

A hora de entrada e de saída dos participantes não obedecerá a outra regra senão incluir-se no horário acima previsto.

Será moderador (informal) Luís Nogueira, que preparou este número 0.

Vem e traz um amigo (ou mais), avisando, por questões logisticas, até um dia antes.
 
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À TERTÚLIA (nº0) - About Wine (r.horta machado) Faro, 30.05.14
«a poesia em diálogo com outras artes» coordenação de Luis Nogueira

os presentes saíram mais encorpados e frutados (e etc.), não só da prova de vinhos, tb. da arte visual 'distraída' como alguém chamou ao desenho que Paulo Serra apresentou. / Luis Nogueira trouxe poemas sobre as horas de observação do trabalho do artista plástico lidos por Marco Mackaaij / para diálogo tb. a relação poesia ( Pedro Jubilot ) - fotografia (Jorge Jubilot ) nos livros da editora CanalSonora.

 
 

 
 

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 À Tertúlia continuaremos, então, na última sexta-feira do próximo mês de junho, sendo o seu moderador/impulsionador o Marco Mackaaij!